Caos no transporte marítimo é mais um obstáculo para indústria brasileira

Além da escalada dos custos internos, com inflação e commodities em alta, a indústria brasileira vem enfrentando dificuldades no transporte de insumos e mercadorias como mais um obstáculo à retomada da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus.

O problema é fruto da ruptura nas cadeias globais de suprimento após a paralisação da indústria mundial no primeiro semestre de 2020, que provocou um enorme desarranjo na logística global, afetando desde importadores como as montadoras e a indústria têxtil às exportações de proteínas.

Com a paralisação no início da pandemia, rotas marítimas foram interrompidas e navios e contêineres ficaram espalhados pelo mundo. Após a reabertura, o esforço de rearrumação foi atropelado pelo crescimento da demanda por mercadorias, remédios e equipamentos hospitalares.

Em novembro, por exemplo, a movimentação de contêineres em Xangai, um dos principais pontos de movimentação de cargas do mundo, bateu o recorde histórico de 42 milhões de TEUs (medida que equivale a um contêiner de 20 pés).

A demanda fez explodir os custos. Em janeiro, o frete da China para o porto de Santos bateu recorde histórico, chegando a US$ 9.000 (cerca de R$ 50 mil) por contêiner de 40 pés. O valor é quase cinco vezes a média da tarifa cobrada normalmente.

Os usuários desse tipo de serviço dizem que, além do alto preço, convivem com atrasos de navios e mudanças nas escalas, que dificultam o planejamento da produção no país.

O tema foi abordado pela Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), em entrevista no início do mês para falar do desempenho do setor. O presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, falou em “desestruturação da cadeia produtiva” que põe em risco as operações.

“O setor automobilístico é mais impactado porque está dentro de uma cadeia global”, disse ele. “O risco de interrupções [nas montadoras] continua sendo um risco permanente no nosso setor até que a cadeia global de produção se ajuste.”

O problema começou a ser sentido com mais intensidade no quarto trimestre de 2020. Operadora de um terminal em Santos, a Santos Brasil registrou aumento de 4,4% na movimentações de contêineres no período, fechando o ano com um volume superior ao verificado antes da pandemia.

Em janeiro de 2021, o porto de Santos bateu seu recorde histórico de movimentação, tanto geral quanto de contêineres —neste caso, com a marca de 338,5 mil TEUs, alta de 10,5% em relação a janeiro de 2020, quando foi registrado o recorde anterior.

“Vivemos um estresse muito grande nos canais logísticos”, disse o presidente da companhia, Antônio Carlos Sepúlveda, em teleconferência para falar dos resultados da empresa em 2020.

Em recuperação após o tombo recorde no início da pandemia, a indústria têxtil é outra que vem sentindo impactos. “[O problema] aumenta os custos dos produtos importados que compõem nossa matriz de insumos”, diz o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel.

Na ponta exportadora, especialistas veem dificuldades principalmente nas vendas de carne congelada, diante da pouca disponibilidade de contêineres frigoríficos. Para a BRF, o cenário é tratado como uma “vírgula” no processo de recuperação.

“Que problemas temos? O crescimento da China, que é muito positivo na economia deles e também acaba consumindo contêineres que vêm para nós, para a exportação deles”, disse em teleconferência com analistas o vice-presidente de Mercado Internacional da companhia, Patrício Rohner.

“O impacto está sendo fortemente agravado neste momento, uma vez que a reabertura dos mercados e a atual onda de reabastecimento resultaram em um aumento abrupto de fluxos em contêineres”, diz a Abimaq (Associação da Indústria de Máquinas e Equipamentos).

Para a entidade, a maior dificuldade é encontrar contêineres para embarques de produtos para a Ásia, já que armadores estariam preferindo voltar com os equipamentos vazios para atender à demanda de vendas daquela região e recompor os prejuízos tomados no período de fechamento das economias.

O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, diz que as exportações são pouco afetadas, já que o país vende mais commodities, que são transportadas em navios graneleiros.

Mas 85% das importações nacionais são de produtos manufaturados. “Tem que ter navio de contêiner e o cara só vem no Brasil hoje se tiver carga para encher navio”, diz. “E, como o Brasil exporta pouco manufaturado, é quase certo que vai voltar vazio.”

Além dos problemas para quem depende de insumos e componentes, ele vê impactos no preço final das mercadorias, pressionadas pelos fretes elevados. “Só o tempo vai dizer quando isso vai voltar ao normal e, até lá, vamos ter que conviver com preços altíssimos de alguns produtos.”

A crise pegou o Brasil em um momento de crescimento das movimentações em contêineres: segundo estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), entre 2010 e 2020 aumentou em 48%, em toneladas, a exportação desse tipo de carga.

Especialista em logística da CNI, Matheus Castro diz que o frete de longo curso já deu um sinal de alívio em março, mas o problema está longe de ser resolvido. “Especialistas argumentam que ainda vai levar um tempo para o mercado conseguir se adaptar e voltar à normalidade”, diz. “Os terminais dos Estados Unidos e Europa têm hoje grande atraso na movimentação de carga, com filas de navios.”

A falta de contêineres chegou a impactar também o transporte de cabotagem pelo país, mas a solução parece resolvida. “Teve um momento em que tive que recusar carga”, conta Marcus Voloch, Diretor Executivo da Aliança Navegação e Logística.

Agora, diz ele, a preocupação é com a escalada de custos provocada pela alta no preço dos combustíveis e pela inflação. Tanto o combustível para navios quanto o diesel usado no transporte terrestre entre o porto e o cliente dispararam nos últimos meses.

“O frete hoje vai ser 10% ou 12% mais alto do que o que três meses atrás”, afirma Voloch. “Mas não consigo impor aumentos no mercado, porque competimos direto com o caminhão. Se minha operação ficar cara, a carga volta para o caminhão.”

As empresas nacionais de navegação dizem que a crise atual deve servir de alerta no debate sobre o programa BR do Mar, que flexibiliza regras para a prestação de serviços de cabotagem no Brasil, permitindo o uso de navios estrangeiros nas rotas nacionais.

O governo defende que a medida reduziria os custos do transporte, mas o mercado diz que, num momento de fretes recordes e demanda represada em mercados de maior movimentação, os navios estrangeiros poderiam ser transferidos do Brasil para operações mais lucrativas no exterior.

“A navegação é globalizada e o armador põe o navio onde o mercado está melhor”, diz o diretor-executivo da Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem). “Quando [o navio] é de propriedade de empresa brasileira, eles foi construído para ser dedicado a esse mercado aqui e não vale à pena sair.”

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